11.12.09

Apresentação em trânsito para uma poética em processo

Paulo Gomes*

Flâneries

Kelly Wendt é uma flâneuse, deambulando pela cidade, do presente para o passado, cultuando as suas ruínas e fascinada pela antiguidade que vai fabricando, reação de preservação a ação da destruição, conforme Cristina Freire (1997). Sua relação íntima com a sua cidade de adoção – Pelotas/Satolep – ecoa nas imagens visionárias do passado – que ela preserva/expondo em vitrines – e ainda nos textos que a (d)escrevem. Uma cidade palíndromo que não existe senão na memória das suas ruínas.

Ruínas

Cidade de casas aleijadas, cegas e mudas, corpos agora desfigurados. Guardiões silenciosos de algo que já não existe senão naquela vaga lembrança que ficou impressa nas (des)construções. Ação tão romântica essa de pintar ruínas, a sensibilidade "pelo viés da melancolia"! (Coli, 2004).

Ateliê

A cidade é o seu ateliê, seu lugar de ação e lugar de reflexão no qual sua câmarafone atua como objeto de registro e de memória. Para além da ferramenta de trabalho, seus desdobramentos avançam em imagens multiplicadas em postais e em adesivos, registros temporários de uma ação infinita, pois que é de caráter mais filosófico do que físico. Sua poiética é resultado da sua flânerie, que associada aos recursos da publicidade, possibilita um fazer artístico marcado pela mestiçagem de meios e pela mirada precisa nos objetivos.

Poética

A arte da fantasmagoria, da construção a partir da imaterialidade das coisas por meio da materialidade do desejo, conforme Agambem (2007). A poética em questão é a da reconstrução da imagem perdida, da identidade apagada, da memória obscurecida. Reconstrução da aura destruída do objeto através da criação da aura amplificada nas imagens múltiplas. Circulação de imagens. O espaço e a transitoriedade expandidos nesse imenso ateliê que é a cidade.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Estâncias: a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

COLI, Jorge. Ponto de Fuga. SP: Perspectiva, 2004, p. 30.

FREIRE, Cristina. Além dos mapas: os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. SP: SESC/Annablume, 1997, p. 57

* Artista plástico e professor no DAV-UFSM.




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30.11.09

A cidade que não vemos

A arte sempre teve por vocação abrir na história espaços para novos olhares, produzindo imagens críticas que provoquem um verdadeiro despertar.

Edson Luiz André de Souza

A cidade de Pelotas, lugar onde vive Kelly Wendt, é o sítio que lhe proporciona o surgimento do seu trabalho plástico. A relação com o lugar faz com que a matéria prima de suas fotografias esteja ao seu alcance durante as caminhadas numa conexão entre o corpo, o espaço e o tempo. As imagens captadas são o resultado do olhar diferenciado da artista, pois ela registra elementos não percebidos pelos que fazem os seus trajetos habituais. Reforçando esta situação escolho palavras da artista Daniela Cidade:

O fotógrafo ao tornar-se um flâneur visual, pode se tornar alguém obsessivo em tentar registrar aquilo que passa despercebido no dia-a-dia. A velocidade e a falta de atenção do espectador para o espaço urbano produz uma descontinuidade na percepção espacial. (CIDADE, D. 2005, p.90)

Em meio à trama urbana, Kelly realiza um inventário das casas abandonadas de Pelotas. As casas cegas e mudas que outrora faziam parte da arquitetura da cidade, hoje nada mais são do que corpos em ruínas e em silêncio guardiões de segredos e histórias dos que lá viveram. Como corpos abandonados ao seu próprio destino, cegos e mudos, com suas portas e janelas lacradas por tijolos ou tapumes, configuram um cenário de estranhamento à cidade, despidos de sua verdadeira razão de ser: a casa-morada. A presença faz-se ausência.

Na condição de escrever sobre o trabalho de Kelly, tento adentrar-me em sua poiética e acompanhar o vir a ser de sua obra. O seu processo criativo dispensa o ateliê - lugar de fabricação de imagens - e captura as que lhe são apropriadas através de seu celular, ou câmerafone, como o define. O uso dessa ferramenta eletrônica, de fácil manuseio e transporte, insere-se na contemporaneidade, onde o tempo veste-se de outros tempos para além do cronológico e onde vários artistas penetram com seus registros.

Kelly conjuga alguns verbos para construir a sua poética: caminhar, registrar, repetir, colecionar, apropriar, dentre outros. Em suas andanças através dos labirintos da cidade, resgata imagens de casas singulares que apresentam em comum transposições de significados; isolados de suas funções tornam-se corpos desprovidos de vida pontuando relações entre o escuro do lado de dentro e o invisível do lado de fora. Poucas vezes o avesso desses corpos é revelado por alguma fresta que deixa entrever as poeiras da alma, os vestígios e as memórias de quem ali habitou. Somos olhados por este passado e por esta perda e somos remetidos às palavras de Didi-Hubermann (1998, p.31): "... devemos fechar os olhos para ver quando o ato de ver nos remete, nos abre a um vazio que nos olha...".

A artista destaca construções com a escolha de alguns lugares, promovendo uma ação que consiste em produzir cartões postais e remetê-los aos moradores próximos e a lugares de grande circulação. Depois da ação, Kelly atinge o seu propósito na reação com o possível reconhecimento das imagens e do abandono das casas, tornando-as visíveis e estabelecendo diálogos para o resgate e conservação da memória.

O seu trabalho realizado em duas etapas, com o lançamento de postais e com o mapa adesivado no chão, como uma cartografia, indica lugares/não-lugares, mostrando-nos uma obra rica e experimental em sua pesquisa para a instauração de um espaço de reflexão e não-indiferença.

O tema está proposto e aos observadores de sua poética fica o convite: viajar por este território através de seu processo criativo. Nós contempladores da frágil existência humana, vamos povoar o nosso imaginário com a visão dessas casas e a infinitude que deixam marcas sutis no nosso coração e na nossa memória.

As casas sem alma, com sua interioridade encerrada, estão no interstício entre a ausência e a presença e na sutura entre a arte e a vida.

Ana Méri Zavadil /Curadora

Mestranda em Artes Visuais UFSM/ Bolsista Capes



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10.11.09

3 x 3: poéticas em processo





É o resultado do trabalho desenvolvido por entre os artistas Fernando Codevilla, Kelly Wendt, Odete Calderan e seus colegas teóricos Ana Méri Zavadil, Greice Antolini, Rejane Berger, uma exposição de trabalhos de pesquisadores que atuam sob a marca da sistematização no terreno movediço dos projetos. Enquanto pesquisadores, nossos artistas articulam suas poéticas -a prática e a reflexão teórica- registrando passo a passo o processo intaurador. Atuando no estreito limite entre o fazer e o pensar arte, sem estarem presas a modelos previamente estabelecidos, suas obras transitem por procedimentos tradicionais e contemporâneos, como a atividade híbrida de Vj de Fernando Codevilla, a ação atemporal das deambulações de Kelly Wendt e o fazer cerâmico de Odete Calderan. Também variados são seus suportes, seus materiais e suas técnicas, um universo que acolhe o objeto cerâmico, a câmerafone, a imagem digital, o corpo, o vídeo, os postais, os sons, os adesivos, a fotografia.

São artistas contemporâneos na articulação da reflexão teórica e das poéticas, na consciência da transitoriedade e da efemeridade das coisas; na ampliação do conceito de ateliê como lugar qualquer no mundo; na certeza da necessidade da circulação de idéias e de imagens ( não importa como, contando que circulem). São atores/autores de poéticas fundadas nos deslocamentos, nas caminhadas e nas derivas, procedimentos contemporâneos (se bem que fundados na história). Mas eles são românticos ao re-materializar com as suas ações, nos sentidos dos que os veêm e os ouvem, a aura das obras de arte outrora destruída. São românticos como jovens do século XIX, ao mesmo tempo contraditórios e paradoxais, utópicos e realistas, contemporâneos e nostálgicos, idealistas e pragmáticos,permanentes e transitórios, como tão bem assenta aos românticos de quaisquer épocas.

Paulo Gomes/ Curador da exposição 3x3
Professor Doutor em Artes Visuais/ UFRGS

18.9.09

série cartazes







O atelier é a própria cidade, é nela que são traçados os percursos que me fornecem a matéria prima para minhas idéias. Pelotas cidade das ruas quadriculadas, simétricas, planas, de fáceis caminhadas, de infinitos cruzamentos, de edificações que seguem um ritmo e um padrão específico de uma época, a época dessa cidade, construção da cidade, seu apogeu.

Nos percursos que faço nessa cidade capturo, sua falência ou seu declínio, sua sobrevivência edificada em casa ocas, cerradas, lacradas. A reprodução do meu olhar, visões de um passado imponente e arrebatador mudo diante dos olhos cegos. A escolha surge com a idéia de perceber que elas são repetitivas e lidam com a ignorância dos olhares. Uma cidade com casas sem lar, sem lembranças , esquecidas do desenvolvimento. A captura se dá em um camerafone, sem escolher luz ou condições para garantir uma qualidade de imagem. O instrumento é apenas um meio, ferramenta de trabalho num atelier sem paredes. As fotos, as vezes não fornecem um ângulo bom, devido as condições da cidade, carros estacionados, canteiros e pedestres. As escolhas são intuitivas, devido aos percursos e a surpresa do objeto.
Mas a captura das imagens reproduz o olhar ignorado ou esquecido, as ruínas, as visões sem lembranças como intitulei. Nas caminhadas ha sempre um cruzamento, um lugar não explorado, uma casa ignorada, Meu olhar atento a cidade mostra uma cidade desconhecida, quase fantasma. O objetivo das fotos é mostrar essa cidade, dar visibilidade, comunicar, fazer as casas mudas falarem.

O trabalho acontece quando proponho colocar as imagens em circulação usando espaços e configurações referentes a informação e a comunicação. Acredito que isso é o que faz o trabalho. A utilização de outros espaços que não são os de arte para discutir a visuailidade, questionar a eficiência dos espaços e aproximação do espectador. Este é um segundo momento da série de trabalhos. Alguns dependem mais da circulação que outros, isso varia de acordo com o material usado. Anúncios e backlight tendem dar visualidade as casas da mesma forma que a publicidade divulga produtos e idéias. O espaço da publicidade é um espaço utilizado, assim como usado por outros artistas, afim de propor um deslocamento da arte e assim trabalhar com outras formas de receptividade.

Os múltiplos, através de impressões, como cartazes, postais, adesivos, dependem do espectador para fazer a rede de informações, desta forma ele é um participante, pois colabora para que as imagens entrem em circulação. Através de canais que são propostos nos trabalhos, o espectador colabora para que as imagens permaneçam em circulação e que desenvolvam sua permanência , tanto aos olhos como na imaginação do coletivo.




21.8.09

série postais







.percursos descomprometidos pela cidade e a captura de visões. imagens edificadas em tijolo e cimento. a casa deixa de ser lar e torna- se ausente do cotidiano. invisível na cidade. os olhos cerrados da imagem cega o olhar. a captura. a reprodução. a comunicação. evoca o olho.