30.11.09

A cidade que não vemos

A arte sempre teve por vocação abrir na história espaços para novos olhares, produzindo imagens críticas que provoquem um verdadeiro despertar.

Edson Luiz André de Souza

A cidade de Pelotas, lugar onde vive Kelly Wendt, é o sítio que lhe proporciona o surgimento do seu trabalho plástico. A relação com o lugar faz com que a matéria prima de suas fotografias esteja ao seu alcance durante as caminhadas numa conexão entre o corpo, o espaço e o tempo. As imagens captadas são o resultado do olhar diferenciado da artista, pois ela registra elementos não percebidos pelos que fazem os seus trajetos habituais. Reforçando esta situação escolho palavras da artista Daniela Cidade:

O fotógrafo ao tornar-se um flâneur visual, pode se tornar alguém obsessivo em tentar registrar aquilo que passa despercebido no dia-a-dia. A velocidade e a falta de atenção do espectador para o espaço urbano produz uma descontinuidade na percepção espacial. (CIDADE, D. 2005, p.90)

Em meio à trama urbana, Kelly realiza um inventário das casas abandonadas de Pelotas. As casas cegas e mudas que outrora faziam parte da arquitetura da cidade, hoje nada mais são do que corpos em ruínas e em silêncio guardiões de segredos e histórias dos que lá viveram. Como corpos abandonados ao seu próprio destino, cegos e mudos, com suas portas e janelas lacradas por tijolos ou tapumes, configuram um cenário de estranhamento à cidade, despidos de sua verdadeira razão de ser: a casa-morada. A presença faz-se ausência.

Na condição de escrever sobre o trabalho de Kelly, tento adentrar-me em sua poiética e acompanhar o vir a ser de sua obra. O seu processo criativo dispensa o ateliê - lugar de fabricação de imagens - e captura as que lhe são apropriadas através de seu celular, ou câmerafone, como o define. O uso dessa ferramenta eletrônica, de fácil manuseio e transporte, insere-se na contemporaneidade, onde o tempo veste-se de outros tempos para além do cronológico e onde vários artistas penetram com seus registros.

Kelly conjuga alguns verbos para construir a sua poética: caminhar, registrar, repetir, colecionar, apropriar, dentre outros. Em suas andanças através dos labirintos da cidade, resgata imagens de casas singulares que apresentam em comum transposições de significados; isolados de suas funções tornam-se corpos desprovidos de vida pontuando relações entre o escuro do lado de dentro e o invisível do lado de fora. Poucas vezes o avesso desses corpos é revelado por alguma fresta que deixa entrever as poeiras da alma, os vestígios e as memórias de quem ali habitou. Somos olhados por este passado e por esta perda e somos remetidos às palavras de Didi-Hubermann (1998, p.31): "... devemos fechar os olhos para ver quando o ato de ver nos remete, nos abre a um vazio que nos olha...".

A artista destaca construções com a escolha de alguns lugares, promovendo uma ação que consiste em produzir cartões postais e remetê-los aos moradores próximos e a lugares de grande circulação. Depois da ação, Kelly atinge o seu propósito na reação com o possível reconhecimento das imagens e do abandono das casas, tornando-as visíveis e estabelecendo diálogos para o resgate e conservação da memória.

O seu trabalho realizado em duas etapas, com o lançamento de postais e com o mapa adesivado no chão, como uma cartografia, indica lugares/não-lugares, mostrando-nos uma obra rica e experimental em sua pesquisa para a instauração de um espaço de reflexão e não-indiferença.

O tema está proposto e aos observadores de sua poética fica o convite: viajar por este território através de seu processo criativo. Nós contempladores da frágil existência humana, vamos povoar o nosso imaginário com a visão dessas casas e a infinitude que deixam marcas sutis no nosso coração e na nossa memória.

As casas sem alma, com sua interioridade encerrada, estão no interstício entre a ausência e a presença e na sutura entre a arte e a vida.

Ana Méri Zavadil /Curadora

Mestranda em Artes Visuais UFSM/ Bolsista Capes



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10.11.09

3 x 3: poéticas em processo





É o resultado do trabalho desenvolvido por entre os artistas Fernando Codevilla, Kelly Wendt, Odete Calderan e seus colegas teóricos Ana Méri Zavadil, Greice Antolini, Rejane Berger, uma exposição de trabalhos de pesquisadores que atuam sob a marca da sistematização no terreno movediço dos projetos. Enquanto pesquisadores, nossos artistas articulam suas poéticas -a prática e a reflexão teórica- registrando passo a passo o processo intaurador. Atuando no estreito limite entre o fazer e o pensar arte, sem estarem presas a modelos previamente estabelecidos, suas obras transitem por procedimentos tradicionais e contemporâneos, como a atividade híbrida de Vj de Fernando Codevilla, a ação atemporal das deambulações de Kelly Wendt e o fazer cerâmico de Odete Calderan. Também variados são seus suportes, seus materiais e suas técnicas, um universo que acolhe o objeto cerâmico, a câmerafone, a imagem digital, o corpo, o vídeo, os postais, os sons, os adesivos, a fotografia.

São artistas contemporâneos na articulação da reflexão teórica e das poéticas, na consciência da transitoriedade e da efemeridade das coisas; na ampliação do conceito de ateliê como lugar qualquer no mundo; na certeza da necessidade da circulação de idéias e de imagens ( não importa como, contando que circulem). São atores/autores de poéticas fundadas nos deslocamentos, nas caminhadas e nas derivas, procedimentos contemporâneos (se bem que fundados na história). Mas eles são românticos ao re-materializar com as suas ações, nos sentidos dos que os veêm e os ouvem, a aura das obras de arte outrora destruída. São românticos como jovens do século XIX, ao mesmo tempo contraditórios e paradoxais, utópicos e realistas, contemporâneos e nostálgicos, idealistas e pragmáticos,permanentes e transitórios, como tão bem assenta aos românticos de quaisquer épocas.

Paulo Gomes/ Curador da exposição 3x3
Professor Doutor em Artes Visuais/ UFRGS